terça-feira, agosto 28, 2007

A vida é uma gosma.


Estávamos todos satisfeitos de ver a alegria do Agezinho com seu novo animal de estimação, se assim o podemos chamar. Uma lesminha que ele achou grudada em sua meia.

Não esqueço a alegria estampada em seu rosto quando veio correndo me chamar para ver o bichinho que brincava todo encolhido em sua meia, deixando-a melecada com um grande rastro. Até que não era feia, não: tinha um belo par de antenas e umas manchas nas costas que a deixavam única.

Ele me perguntou todo ansioso:

- Papai, papai! Posso ficar com ela, posso?

Eu não teria como recusar aquela esquisitice de criança.

- Claro que sim, filho. Só não jogue sal em suas costas – alertei (no fundo minha vontade de fazer aquilo era enorme, eu adorava jogar sal em lesmas quando era moleque).

Com o passar dos dias era incrível ver o cuidado de Agezinho com o novo hóspede, que dormia em uma caixinha de sapato. Colocamos uma banana frita pra simular uma lesma-mulher. A minha idéia deu tão certo que a lesma não saía de cima daquela banana nanica que derretia com o passar dos dias. Até achávamos que a lesma estava morta.

O nome da lesma era Gosminha, nome que Agezinho colocou devido ao rastro gosmento que ela deixava pela casa. Tudo era uma alegria só para o menino desde que aquela lesma entrou em sua vida. E para Gosminha também, que com certeza nunca recebeu tanto carinho. O bicho adorava grudar em nossas roupas e deixar o seu carinho nelas. Ela era feliz com certeza.

Até que um dia tudo se desmanchou e a tristeza acabou tomando conta de todos nós. Alguém pisou na coitada, transformando aquele animal em um borrão gosmento e disforme no chão.

Os dias foram difíceis para AG filho, que superou com dificuldade o trauma de ver seu animal esmagado e sem vida na sala. Foi difícil até mesmo para mim, que até hoje não consigo comer uma banana frita nem mesmo calçar os sapatos novos que comprei naquele triste dia.

Hoje Agezinho já tem um novo amigo que vive em um vidrinho de lantejoulas: um carrapato bola chamado Tosquinho.

quinta-feira, agosto 23, 2007

Um homicídio culposo


Ontem à noite, sexta feira, foi um fuá danado em Gliceriowood, quase conheci todo o povo de lá, era um mundaréu de gente. Tudo isso pra ver o cadáver de um velho que morava no prédio Ouro Fino, em frente ao meu, o Ouro Branco.

O velho morreu sufocado, constatou-se que a gata persa peludona de estimação dormiu sobre o rosto do velho, que também dormia. Encontraram pêlos na boca e nariz.

Que morte horrível! No apartamento só moravam o velho e a gata. Dizem as más línguas que a gata era a mulher do tiozinho. Ele também não batia bem da cuca, dizia que foi veterano na guerra dos Farrapos. Então era louco mesmo.

Cara, nunca vi tanta gente na minha vida, as mães iam buscar os filhos e maridos para ver o acontecido, podia-se ver pessoas ligando de seus celulares contando sobre a desgraça acontecida. O pior de tudo era ver os vendedores ambulantes venderem seus produtos às pessoas em volta ao carro funerário. Conseguia ouvir da minha janela, apesar do barulho, os gritos irritantes do vendedor:

- Água é dois! Refri, dois e cinqüenta! Quem vai querer? É pra acabar!

Outro povo que estava no bar ao lado pedia mais cerveja e mandava ver no forró. Tinha até dança na frente. Aquilo era a novidade para aquele povo que ali vivia, acabava sendo uma distração para homens e mulheres, velhos e crianças. Depois de um dia difícil para aquelas pessoas humildes que trabalhavam, sofriam e com certeza todos os dias eram iguais, aquilo se tornou a atração, uma das novidades da semana. Às custas da desgraça do pobre velho, que um dia compartilhou as mesmas coisas que aquela gente. Mais um animalzinho sem dono e uma baixa na população de Gliceriowood.

Na manhã seguinte vi novos moradores no Ouro Fino, eram os novos inquilinos do apartamento 313.